Fortalecendo

7 de abril de 2010

Sala de espera



        
Quando ela chegou faltavam quinze minutos para as treze horas. Foi direto ao balcão, assinou alguns papéis e sentou-se. Ficou a observar uma senhora idosa que ali se encontrava também a assinar fichas de atendimento.
Ficou imaginando qual seria a história daquela velha figura de pele enrugada pelo tempo que tudo olhava por trás de suas lentes pousadas sobre o nariz. Por que estaria ali? Qual seriam suas queixas? Como teria sido sua infância? Quem seria ela, afinal...

Passaram-se longos minutos desde que ela entrara naquela sala de inquietantes paredes verdes. Silêncio. De onde estava pode ver quando entrou outra mulher, esta mais jovem porém.  Veio-lhe quente às narinas aquele cheiro de cigarro. Aparentava cinqüenta anos embora muito provavelmente não tivesse mais do que quarenta. “O cigarro maltrata a pele e envelhece”, pensou. A mulher sentou-se balançando freneticamente as pernas... “Síndrome das pernas inquietas” – foi o que lhe veio à mente.

Não muito depois chegou Dilermando. Já o conhecia. Haviam  trabalhado na mesma escola no ano anterior. Os dois estavam ali pelo mesmo motivo. Passaram a conversar banalidades, sobre como estava o tempo, o pessoal do colégio onde trabalharam, o futuro.

Assim, no decorrer das horas, muitas outras figuras humanas foram aos poucos chegando. Dirigiam-se ao balcão, assinavam papéis e esperavam. Esperar. Era o que ela fazia... Esperava o tempo passar depressa, esperava o sono chegar, esperava o despertador  tocar pela manhã... Esperar  um dia em que acordasse mais feliz. Menos triste seria o termo mais correto a aplicar. Esperar por um dia em que não se sentisse do tamanho de uma ervilha na pata de um elefante. Mas o pior de tudo era a espera que muito provavelmente ela nunca veria chegar ao fim: esperava o dia em que tudo aquilo chegaria ao fim.

E essa esperava já se arrastava por anos. Foram muitos anos com uma faca de dois gumes a lhe dilacerar o coração. Cada dia ela aprofundava o corte um pouquinho...  Por quê? Quem dera soubesse! Não havia um motivo aparente, algo que se pudesse dizer: é por isso ou por aquilo... Era por tudo e por nada ao mesmo tempo.

O fato é que doía-lhe muito. Uma dor que a desatinava, que a fazia pensar em coisas que nunca antes havia passado pela sua anuviada cabeça. Pensava em soluções fatais... definitivas, mas para nada tinha coragem. E isso a enfraquecia ainda mais...

Perdeu-se em pensamentos por longos minutos enquanto  observava as pessoas a sua volta. Cada uma estava ali por algum motivo que ela desconhecia. Cada qual com seus problemas, cada um com suas dores.

Enquanto aguardava naquela sala fria, de cadeiras desconfortáveis, anotava mentalmente as reações de cada um ali. Alguns moviam-se de um lado a outro, alguns, de pernas cruzadas moviam-nas rapidamente enquanto outras fitavam o nada. Seus olhos pareceram-lhe sem vida, sequer piscavam. Pareciam estar inertes.

Trocou algumas palavras com Dilermando enquanto olhava para a porta que dava para a rua. Sua vontade era sair correndo sem direção, jogar-se na frente do primeiro carro que cruzasse à alta velocidade. Correr sem rumo até que suas pernas não mais agüentassem.  Talvez assim, exausta, sentisse menos o coração, a alma...

Foi trazida de volta a realidade quando ouviu uma voz atrás do balcão a lhe chamar: “A senhora pode passar, por favor.”  

Foi-se. Assim que entrou ele foi logo perguntando como ela tinha passado. “Pergunta idiota” , pensou. Se estivesse bem não estaria ali naquela tarde. Era elementar, mas mesmo assim foi contando aos poucos àquele homem o que lhe trouxera ali novamente: noites insones, coração apertadinho no peito, vontade louca de sumir num passe de mágica.

Conforme ela ia relatando, ele ia anotando tudo em sua ficha e enquanto ele escrevia, sua melancolia, sua dor, seu peso ia aumentando . Já poderia prever a hora em que se desfaria em lágrimas incontidas ali mesmo naquele consultório também verde. (Aquele verde das paredes realmente a incomodava muito!)

Dobrou-lhe a dose de seus medicamentos. Assim que saiu da sala, deu uma olhada ao redor e notou bem todos aqueles rostos sem sorrisos, sem brilho no olhar. Pessoas tão distintas entre si, ninguém igual a ninguém, no entanto todos unidos por algo em comum: o mesmo espinho a lhe ferir o coração, a alma e também o estômago.

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